quinta-feira, março 23, 2017

Dançando em abstinência

Dancei sem entender nada, na euforia quando passei a entender, na empolgação de uma criança, seriamente, focada, concentrada, isolada do resto do mundo que não entende a fascinação. Dancei com o coração despedaçado após uma grande perda, após chorar compulsivamente, dancei chorando, mas sabendo que era tudo que eu precisava. Dancei com raiva do mundo, descontando tudo com intensidade nos movimentos e naquele chão.

O poder é inexplicável, surreal e mágico. Dancei deixando meu sangue e pedacinhos de pele no chão, enquanto este me dava alguns hematomas de vingança. Ou será um presente? Ele sabia que eu iria lembrar do quanto eu me esforço quando os olho. Aquele esforço incansável, inquebrável, sem perder um dia sequer, e na verdade querendo cada vez mais dia. Todos os dias, por favor. Explodia em energia, sentindo que poderia andar pelas paredes.

Dancei mais ainda quando me diziam que talvez eu devesse sacrificar essa paixão, para mostrar que nunca me convenceriam. Nunca irão. Dancei tendo dias frustrantes, pois não conseguia fazer nada direito. Já no próximo dia tudo deu certo e me senti plena. Saí algumas vezes para chorar no banheiro, em dias de fragilidade temporária, pois não queria misturar minha frustração com aquele ambiente tão fantástico. Nesses raros dias eu voltava do banheiro, de cabeça erguida e corpo desanimado e continuava lá, me perguntando porque, mas capricornia demais pra desistir. Agradecida demais para deixar minha professora na mão. As vezes eu explodia em acertos. Me sentia poderosa, dona do mundo, rainha. Outras me aplaudiam e eu não acreditava que tinha ido realmente bem. Até que eu pensava bem e... fui fantástica dentro da minha possibilidade.

Sonhei que dançava. Ia andando para as aulas com fones de ouvido e dançando na mente, repassando coreografias ou inventando, percebendo que minhas mãos acompanhavam a mente, nem aí para os olhares de quem não compreende.

Em toda minha vida dancei e tive pausas. As pausas doem mais que qualquer hematoma. Mas elas nunca matam a dança dentro de mim. Ela fica se revirando dentro de mim, desesperada por liberdade. Me torturando de vontade, me fazendo ter crises de choro e identidade, momentos de desesperança vendo esse amor louco escapando pelos dedos. Mas a desesperança dura pouco. Sigo sonhando todos os dias. Dançando no meu quarto. Botando a abstinência pra fora ao máximo.



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